A norma legal progressista que obriga cota de candidaturas de mulheres em 30% a cada partido para concorrer às eleições, ensejou uma reação por meio da fraude eleitoral conhecida como as candidaturas laranjas. Se bem é verdade que as mulheres conquistam a passos lentos espaços de poder político, a estrutura misógina histórica da política tenta impedir esse avanço. A tarefa política atual é tornar o efeito legal em efeito real e concreto de modo a inserir de uma vez por todas as mulheres nos poderes da República.
Desde 2009, com a inserção legal da chamada quota de gênero que reserva 30% das candidaturas partidárias às mulheres, na tentativa de efetivar a participação de fato na vida política, diversos outros mecanismos vieram criando meios para que essa participação seja real. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que também os recursos financeiros devem ser distribuídos em conformidade com a quantidade de candidatos de cada gênero, devendo ser respeitado o mínimo de 30% (trinta por cento) do valor dos fundos de financiamentos eleitorais para a quota de gênero exigida pela lei. Em maio deste ano o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por sua vez, determinou que também os cargos internos dos órgãos partidários devem igualmente seguir a proporção da quota de gênero da legislação eleitoral, ou seja, os partidos devem ter no mínimo 30% de mulheres em seus cargos diretivos.
O avanço legal, no entanto, causou uma reação fraudulenta no terreno eleitoral concreto. Partidos e coligações passaram a inscrever mulheres formalmente no processo eleitoral para cumprir a quota, mas essas candidaturas não eram reais, muitas delas não receberam sequer os votos das pretensas candidatas. Pesquisa realizada pelas professoras Malu Gatto, da University College London, e Kristin Wyllie, da James Madison University, sugere que até 35% das candidatas mulheres nas eleições de 2018 podem ter sido inscritas formalmente apenas para cumprir a lei de quotas.
Algumas decisões da Justiça Eleitoral, tanto nos Tribunais Regionais, quanto no próprio TSE, já entenderam que a fraude implicada na inscrição das candidaturas laranjas configuram abuso de poder político que tenta burlar a normativa eleitoral e determinaram a cassação tanto das candidaturas laranjas, quanto dos candidatos eleitos que se beneficiaram da fraude. Decisões desse tipo são importantes no sentido de reprimir as práticas e de coibir futuras fraudes, mas não resolvem o problema.
A fraude por meio das candidaturas laranjas representa uma verdadeira reação do ambiente político majoritariamente masculino e de um histórico calcado na misoginia. Tanto é verdade que está em análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado um Projeto de Lei (PL 1.256/2019), apresentado pelo Senador Ângelo Coronel (PSD/BA), que pretende acabar com as quotas de gênero com o intuito por fim às candidaturas laranjas. É exatamente aquilo que na linguagem popular chamamos de “jogar o bebê fora junto com a bacia”, neste caso expressando uma tentativa de eliminar os importantes passos já conquistados pelas mulheres na política.
O desafio é grande, começa com o engajamento das mulheres na vida política ativa cotidiana em todo o país, com a organização de espaços próprios que fomentem uma política pautada nas questões que nos tocam, passando pela participação ativa dentro dos órgãos partidários, buscando avançar na legislação com vistas a construir quotas efetivas que garantam a isonomia de gênero e atuar juridicamente para que as fraudes sejam eliminadas tão prontamente sejam constatadas. Impedir as candidaturas laranjas exige criar uma cultura de participação das mulheres na vida política no cotidiano e, principalmente, na necessidade da inserção de mulheres nas decisões das cúpulas partidárias.
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